16/05

3:20 da manhã:
Acordei às três da manhã, tem alguma coisa no sótão. Ouço as madeiras estalarem sobre minha cabeça, enquanto olho diretamente para o teto. Não sei onde estou escrevendo, pois não acendi a luz, nem... 

Estou tão cansado disso tudo, o que está acontecendo?

São dez horas da manhã, domingo. Estou na cama, com fome, precisando ir ao banheiro mas nem um pouco a fim de sair da cama. O calor do sol entra pela janela e me aquece, o que é ótimo, já que este inverno está bem mais frio do que imaginei. Não consigo deixar as cobertas.

Acho que deveria estar mais assustado com esse espírito que me espreita, mas na realidade não estou ligando muito. Na real, se eu morrer, não vai fazer uma grande diferença para a humanidade, e de qualquer forma, se fizer, não me importo nem com a humanidade.

Quer saber? Vou aproveitar o sol,  e como um gato que ficou o inverno inteiro preso dentro de casa, vou sair alegremente, caminhar, comprar cigarros e respirar um ar puro. Enquanto fumo. Eu sei.

19:00
Encontrei a garota da floricultura no mercado enquanto comprava cigarros, ela me perguntou se estava tudo bem e eu disse que sim, apesar de um espírito querer a minha morte. Ela não ficou assustada (confesso que gostei disso, ela não tem medo, como será que ela é na cama? Epa. Desculpa.), na verdade ela ficou bem interessada. Vai passar aqui mais tarde para sentir a energia da casa porque a família dela é meio espírita ou algo do tipo e ela aprendera desde criança a sentir se há alguma energia "maligna" no local, ou na pessoa. Hmmm... Isso vai ser interessante. Ela também me incentivou a não ser "indiferente" em relação ao espírito, e sim, ser curioso e tentar descobrir a história por trás do que está acontecendo. Achei interessante, depois que ela sair, vou subir no sótão para ver se descubro algo. Meu coração acelerou um pouco agora que pus essas palavras no papel, como se fosse mais concreto que eu vá fazer isso mesmo, e mais difícil de fugir, como se não fosse apenas uma ideia, é um plano, uma ação que será executada. 
Nem vou dar uma arrumada nessa casa, a micro-sala/cozinha não está nada mal, afinal nem usei esses cômodos. Meu quarto - o único da casa - está levemente desarrumado, há carteiras de cigarro e meu violão sobre a cama, junto a um monte de cobertas e lençóis bagunçados. Gosto da minha cama, ela é de casal simples, mas comparada à minha cama no dormitório da faculdade, parece mais duas camas de casal juntas. O último cômodo da casa é o banheiro/lavanderia que está arrumado. O negócio é que eu não possuo nada de mais para deixar a casa bagunçada e os móveis simples que já estavam aqui - um sofá empoeirado velho que cheira a mofo, a cama, um guarda-roupas, uma pequena mesa de madeira ao lado do sofá, uma geladeira barulhenta e um fogão de quatro bocas vermelho - não fazem diferença. 

Caramba. São quatro da manhã. Anna está na minha cama dormindo profundamente e estou na sala, sentado no sofá tentando absorver tudo o que aconteceu desde que ela chegou. Vou escrever para não esquecer nenhum detalhe.

Ela chegou aqui quase 21:00 e trouxe uma pizza (adorei pois estava morrendo de fome) e, apesar de já achá-la bonita, dessa vez ela veio incrivelmente mais bonita e absolutamente cheirosa. Eu nem tinha pratos, então comemos a pizza com as mãos e ela me contou histórias bobas e divertidas de sua família, não lembro da última vez que ri tanto. Então, quando a pizza acabou, cheguei mais perto dela - a luz fraca da sala deixavam seus olhos verdes maiores e mais escuros, e seu cabelo loiro ondulado reluzia de tal forma que fiquei encantado. Não pude evitar... Beijei-a e ela retribuiu, ficamos assim por um bom tempo, até pararmos para rir um da cara do outro.
Ela foi ao banheiro e eu fui para o quarto iluminado apenas pela luz do luar, sentei em minha cama de frente para a janela, de costas para a porta, e esperei que ela chegasse. Achei que ela iria afinal dizer alguma coisa sobre o "espírito", mas de repente senti o colchão da cama afundar às minhas costas e mãos suaves começarem a tirar minha camisa. Deixei que ela tirasse e virei-me para encará-la, ela sorria e me beijou. Deitamos na cama e joguei as cobertas por cima, pois apesar de estarmos quentes, o quarto estava extremamente gelado. Sob as cobertas, coloquei-a sobre mim. Sua pele estava macia e quente, e minhas mãos geladas, por isso não a toquei muito, para não fazê-la sentir-se mal. Ela então colocou minhas mãos ao redor de suas costas (parece que não liga para mãos geladas). Eu estava abrindo o zíper da calça dela, quando: "Estamos sendo observados" ela sussurrou em meu ouvido, congelando assim como eu. Instintivamente, coloquei-a para o lado, e encarei a porta. Não havia ninguém, então virei me para a janela e não vi ninguém. "Onde?" Perguntei a ela, enquanto vasculhava o quarto pequeno com os olhos à procura do quê nos observava. "Está aqui... Não é humano David..." sussurrou com a voz trêmula. Virei-me para encará-la, ela estava com lágrimas nos olhos. Então ouvimos um estalo agudo sobre nossas cabeças, ficamos paralisados enquanto as madeiras do sótão estalavam. Havia algo no sótão se arrasando sobre nós, e então ouvimos um gemido. Foi o gemido mais assustador que já ouvi na vida, um gemido rouco, como alguém que quisesse muito falar mas não conseguisse, como se a boca estivesse lacrada. Não ficaria ali com ela esperando o que quer que pudesse acontecer. Pulei da cama, e quando puxei Anna pela mão, percebi que ela não saía do lugar. Me virei e vi que ela estava desmaiada, então agarrei uma coberta e a enrolei em volta de Anna enquanto a pegava no colo, e saí do quarto. Estava em frente à porta, pronto para sair, quando parei. E se a "coisa" quisesse apenas ajuda? Estava me seguindo por tanto tempo e não havia feito nada de mais, apenas se manifestado. Talvez eu pudesse dar um fim nisso àquela noite, pelo menos foi o que pensei. De qualquer modo, Anna precisava ficar segura. Peguei as chaves de seu carro sobre o sofá (não foi nada fácil pois eu ainda a estava carregando) e a levei correndo para fora de casa, abri o carro e a coloquei lá dentro "Fique aqui!" foi apenas o que eu disse para a garota desacordada. Por quê? Mané. Voltei para dentro da casa, e assim que fechei a porta, os barulhos cessaram, mas eu sabia que ele ainda estava aqui. Procurei a porta que dá acesso ao sótão mas não a encontrei, então pensei que pudesse estar do lado de fora da casa, e estava certo. Saí e comecei a percorrer o contorno da casa, até que a encontrei. Subi em uma árvore para conseguir alcançá-la, estava destrancada, a abri e observei a escuridão. Inspirei profundamente e entrei. Assim que o fiz, a porta se fechou. Congelei na escuridão e no silêncio mortal, mas não poderia ficar assim para sempre. Eu sentia a presença de algo perto de mim, muito perto, conseguia sentir a respiração dele em meu rosto, e por mais que eu tentasse me mover, meu cérebro não deixava. Havia paralisado todo o meu corpo, como se soubesse que qualquer movimento em que fizesse, eu poderia tocá-lo. Estava de joelhos, e meu celular estava no bolso da minha calça, se ao menos eu pudesse alcançá-lo, e iluminar um pouco... Mas talvez essa não fosse a melhor escolha, se eu o visse... Eu não queria ter uma imagem em minha mente para me atormentar pelo resto da vida, se é que eu teria um resto de vida... Enfim, alguma coisa gelada agarrou meu punho, o que fez com que eu soltasse um berro (o cachorro do vizinho uivou em minha resposta) e a coisa gemeu da mesma forma horrível, mas desta vez bem ao lado do meu ouvido, fora quase ensurdecedor! Me desvencilhei das garras que seguravam meu punho, me arrastei de costas freneticamente até tocar a parede do sótão, e nisto senti que toquei alguma coisa pelo chão - algum papel, mas não soube o que era no momento, apenas enfiei em meu bolso (aliás, acabei de lembrar que ainda não vi o que era, ainda está em meu bolso, porém não vou olhar agora) e agarrei o celular ao mesmo tempo. O apontei para frente, pensando ser na direção em que eu acabara de estar, e acendi a luz, o brilho fraco iluminou o sótão, e eu já esperava ver alguma figura horrenda, alguma pessoa morta, mas não foi o que vi. A única coisa que vi em todo o sótão fora uma mancha escura perto da porta, ao lado do lugar onde eu acabara de estar. Não arrisquei fechar os olhos por um segundo, vasculhei novamente o local e avistei algo ao longe, no canto mais longínquo da porta. Ah, eu queria saber o que era, mas queria muito sair daquele lugar... Entretanto, poderia não surgir uma nova oportunidade de subir naquele sótão, então tive de arriscar. Me arrastei devagar, e no caminho meu celular apagou. Escuro novamente, que merda, paralisei. Essa era a pior situação em que eu poderia estar, ainda pior que antes. Tremendo, acendi a luz novamente, apontando para baixo, e não avistei nada além da claridade fraca da luz do celular. Continuei me arrastando, e ao chegar mais parto, percebi que era uma pequena caixa. Coloquei meu celular com a luz acesa no chão, e peguei a caixa com as duas mãos para observá-la melhor. Era extremamente antiga, disso eu tenho certeza. De madeira, toda empoeirada. Havia algo escrito na tampa, mas não reconheci a escrita, não sei até agora de qual língua se trata, mas Anna acredita ser uma língua mais antiga do que imaginamos. Amanhã levaremos a caixa até a avó dela, que talvez consiga identificar o idioma.
Então, após essa breve observada na caixa, agarrei meu celular e a caixa, enquanto me arrastava novamente até a porta. Neste momento, ouvi um rangido perto de mim, a luz de meu celular apagou novamente, e desta vez não tive coragem de reacendê-la. Fiquei parado, mas detestei aquele silêncio cortante, e estava desesperado para sair de lá vivo, então pensei em qualquer coisa que eu pudesse falar para aliviar um pouco meu medo, e me dar a chance de sair de lá. "Quem é você? Eu quero te ajudar..." foi o que eu disse e saiu bem estranho, muito diferente do que eu havia imaginado. Mas o que eu realmente não havia imaginado fora a resposta, um gemido horrível novamente. Começou longe de mim, mas se aproximava, e eu tive de me mover. Me arrastei o mais rápido que pude até a porta, mas o gemido era ainda mais rápido. Contudo, cheguei até a porta, agarrei o trinco e a escancarei - a luz do luar iluminou um pouco e eu o vi, um rosto branco terrível e os olhos negros, na verdade, não era bem um rosto, era algo sem vida, e não lembro muito bem do resto, apenas dos olhos sem fundo, os encarei por um período curto mas que pareceu uma eternidade. Quando percebi, já estava caindo de costas - o que foi um alívio pois a queda me afastou daquilo que estava no sótão - ou ainda está. Caí sobre alguns arbustos que não foram muito úteis para absorver minha queda, e no momento em que minhas costas tocaram o chão, fiquei completamente sem ar e realmente achei que iria morrer. Não consegui respirar por um bom tempo e meu coração se acelerou, entrei em desespero. Além de tudo, não conseguia me mover, a não ser contrair meus dedos dos pés e mãos involuntariamente, arrancando a grama. Não consegui gritar, apenas tentar sugar todo o ar do mundo para dentro de meus pulmões -  que não entrava de jeito nenhum, então perdi a consciência.

Acordei fazem cerca de duas horas, estava na cama e Anna estava ao meu lado. Ela contou-me que saiu para me procurar quando recobrou a consciência - na verdade, disse que não esteve inconsciente, apenas incapaz de estar consciente (qual a diferença?) -, e enquanto vasculhava a casa, ouviu minha queda. Correu até o lado de fora e me encontrou desacordado, me arrastou para dentro da casa, até a cama e enquanto estive desacordado, ela analisou a caixa que caíra comigo; não encontrou meu celular, mas tenho certeza que ele estava em minha mão no momento da queda.

Nenhum de nós conseguiu abrir a caixa, há uma espécie de fechadura de ferro trancada, claramente antiga. Não vi nenhuma chave perto da caixa quando estava no sótão, também não encontrei nada pela casa durante a mudança. A única coisa que sei sobre essa casa é que ela tem mais de cinquenta anos, mas não sei se isso tudo tem e ver com a casa, já que estava atrás de mim desde o dormitório da universidade.
Estou feliz por não estar mais sozinho, agora tenho Anna. Contudo, não quero colocá-la em perigo, acho que vou mantê-la afastada de mim só para garantir que nada de mal lhe aconteça (me sinto um personagem babaca de uma série de vampiros ao escrever isso). Se bem que, se ela não estivesse comigo hoje, eu é que provavelmente estaria ferrado.
Estou observando-a agora, a porta do quarto está aberta e consigo ver a cama claramente. Ela dorme tranquilamente - provavelmente porque não contei a ela sobre o que vi lá em cima, disse apenas que encontrei a caixa e que tropecei ao descer. Infelizmente, terei de contar à ela amanhã, é a forma de mantê-la segura. Ela certamente não vai querer ficar perto do cara amaldiçoado pelo demônio da face branca e olhos negros. Essa minha "descrição" parece comum, mas o que vi fora bizarro. Vou parar de escrever por agora, e tentar dormir ao lado de Anna. Ainda precisamos ir trabalhar hoje, e em poucas horas. Vou ficar pensando sobre a mancha que vi no sótão onde a coisa estava, não parecia água, e sim sangue... Enfim, não importa, não vou subir lá novamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário